quarta-feira, 19 de novembro de 2008

[Crítica] Última Parada 174


A construção de Sandros no cinema e na TV

Por Aluizio Franco

Irônica coincidência a chegada de “Última Parada 174” nos cinemas meio à comoção popular de um outro seqüestro também “vigiado” por câmeras de todas emissores de TV: o caso da menina Eloah. Se existem poucas semelhanças na natureza dos episódios, muito pode-se discutir sobre o lugar da mídia na cobertura destes fatos. Assim como a tragédia do ônibus 174, seqüestrado em 12 de julho de 2004 rendeu, até agora, documentário e o longa de Bruno Barreto indicado a concorrer ao Oscar, a tragédia em Santo André oferece elementos de sobra para se concretizar num roteiro de cinema. Não só um, mais diversos, pois temos o desenrrolar da história do pai da menina que está foragido da Justiça de Alagoas.

Se a TV é imediata, vem primeiro, o cinema seria o espaço para uma reflexão posterior, até por questões de produção viria depois. O problema é que estes personagens da vida real já chegam no cinema estigmatizado pela sociedade através de jornais diários, telejornais... São sentenciados em poucos segundos e enganam-se aqueles que a “massa” assimila qualquer tratamento dado pelo melhor roteirista. No caso de “...174”, mesmo pautado por elementos piegas, abusando da comoção fácil (pobre menino órfão!), na sua tentativa de “humanizar” o Sandro Nascimento, o diretor Bruno Barreto realmente não convence ninguém. Na verdade, abusa da inteligência de qualquer um.

O filme gasta quase 1h30 desenvolvendo um personagem que talvez nem o próprio Barreto compreenda direito. Talvez não tenha uma opinião formada ou não quis explicitar neste filme. Ficou em cima do muro, porque nos 15 minutos finais conclui que o Sandro não teve motivo algum para seqüestrar aquele ônibus. Sabe aquela velha história de que você acordou num péssimo dia e tudo deu errado? O acaso do acaso do acaso. Uma incoerência narrativa tamanha, porque o que nos apresentado na maior parte do filme é: Sandro é capaz de se apaixonar. E amar de verdade, porque como diria Nelson Rodrigues: “Amar é ser fiel a quem nos trai”. Sandro também é leal ao seu amigo, demonstra carinho pela mãe, sentimento de amizade, honesto (queria pagar as dívidas de rua), de caráter (não denunciou seu colega de detenção), queria seguir carreira de rapper (podia até dar certo!), enfim... muitas cenas deixam claras que Sandro seria incapaz de atirar em alguém até que um belo dia está tudo ruim e ele se envolve num seqüestro de ônibus? Para Barreto ele é obrigado a fazer aquilo, se os policias não tivessem cercado o ônibus ele não teria aquela atitude.

A própria opção de explorar pouco o seqüestro em si mostra sua tentativa inicial de “humanizar”. Aqui seria uma ótima oportunidade para questionar a atuação da polícia da época, discussão em voga no caso Eloah e que atinge diretamente a esfera política. Acontecimentos como estes, transformados em shows midiáticos, que acompanhamos em telejornais como se fossem telenovelas com direito a trilha sonora mereciam uma abordagem mais responsável independente do tamanho da tela. Provavelvente haverá muitas histórias desse tipo para se contar e o cinema a TV sempre se apropriou delas. As duas linguagens que às vezes se confundem, no entanto, precisam encontrar o seu lugar.

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